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A mostrar mensagens de dezembro, 2014

Entre a herança do futuro e a historicidade do presente

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Prefácio ao livro " Recortes da História da Guiné-Bissau " de Catarina Lopes, FEC, 2009                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               Entre a herança do futuro e a historicidade do presente “… passando da história à natureza, o mito faz uma economia: abole a complexidade dos atos humanos, dá-lhes a simplicidade das essências, suprime toda e qualquer dialética, toda e qualquer discussão que vá além do visível imediato, organiza um mundo sem contradição por não ter profundidade, um mundo mostrado na sua evidência: o mito funda uma clareza feliz: as coisas parecem significar elas mesmas.” [1] Este livro, eloquentemente

Dos Dois Lados

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Prefácio ao livro "Do Outro Lado" de César Fraga. Editora Olhares, S.Paulo, 2014 | Dos dois lados “ Cada membro da família em sua própria cela de consciência, cada um fazendo a sua colcha de retalhos da realidade – colectando fragmentos de experiência aqui, pedaços de informação ali. A partir das minúsculas impressões que compilavam uns dos outros, criaram uma sensação de fazer parte do lugar e tentaram se arranjar com o que viam um no outro ” [i] O que terão hoje em dia em comum as haitianas empregadas numa propriedade agrícola do seu país vizinho e as mulheres de Bulol, que “ trabalham curvadas, formando uma fileira em perfeita simetria ”? A fisionomia? A cor da pele? A precariedade da vida que levam? Certamente, mas há algo mais. Para além dos aspectos evidentes – físicos ou materiais – há outros elementos comuns, menos perceptíveis mas nem por isso menos relevantes. Trata-se de algo íntimo, espiritual, indescritível: a sua percepção do mundo em que vivemos

Whites Only

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WHITES ONLY Ou a vã tentativa de transformar o extraordinário em rotina Estive recentemente na África do Sul, mais especificamente na Cidade do Cabo. Foi uma missão preparada com vários meses de antecedência, sendo que uma das tarefas mais importantes que me atribuí não tinha nada a ver com o que, formalmente, justificava a minha viagem. Queria conhecer a sociedade sul-africana por dentro. Baseado em experiências anteriores, vividas noutras longitudes, noutros tempos e em diferentes momentos históricos, tinha uma ideia elaborada sobre como atingir esse objectivo. Estava muito confiante. Não esperava dificuldades, nem surpresas maiores. Mas, como que a querer confirmar que, definitivamente, " das Leben laeuft nicht geradelinig” , elas aconteceram… Uma vez no terreno, assumi propositadamente a atitude de um adolescente que, com um sofisticado smart phone na mão, desses que abundam no mercado de Bandim importados não se sabe ao certo se da China ou do Dubai, se entretém

O meu 25 de Abril

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Uma tragicomédia plena de emoções e lições "Infeliz o país que tem necessidade de heróis. " B. Brecht, in Galileu Galilei O 25-de-Abril é (digo propositadamente é e não foi) uma espécie de tragicomédia: uma longa, irónica e perturbadora peça em três actos, que insiste em não ter um final feliz.  A primeira notícia sobre o acontecimento foi encarada como mais um boato, produto da invejável capacidade de imaginação de gente que, numa manifestação ostensiva de desafio à eficácia da omnipresente rede de informadores da PIDE, andava na altura a inundar o meio estudantil com as mais descabidas e inverosímeis notícias sobre o iminente descalabro do regime colonial. Mas quando a novidade começou a ganhar credibilidade, transformou-se numa agitação que pariu muitas surpresas, gerando emoções e lições. Disse-se que a guerra ia acabar, que a PIDE ia acabar, que a independência ia começar. Tudo isso ao mesmo tempo. Para mim, que vivia na altura em Bissau e tin

Think Tanks vs. Tapa Tanks

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O novo paradigma das mandjuandades de cacre “Para mim o fim das eleições é um luto. Sinto-me só. Não me sentia tão abandonado desde a morte dos meus pais. A camaradagem que ligava a nossa equipa de campanha, as festas, os comícios, a esperança… [tudo acabou no dia em que] O meu candidato foi eleito. Ele já não precisa de nós. Esqueceu-nos. Se quiseres conhecer a minha opinião, as eleições são excitações colectivas para o prazer de um eleito frígido. O que é importante para nós é a campanha eleitoral. É o momento em que ainda não há eleitos. Quando só há candidatos ansiosos que precisam de nós. Percebes? “ Alala, in “Contos da Cor do Tempo”, 2004, KuSiMon Editora. Eu não gosto do outono. Mas não gosto mesmo nada! Às vezes digo a mim mesmo que devia era detestar o inverno, que é o pai do outono, mas acho que não, é mesmo do outono que não gosto, que me chateia de verdade e me entristece. Quando vejo uma árvore sem folhas, quando me deparo com crianças de barriga pimpi