Doloroso e incómodo

(c) Foto: A.Sila

 

“Suspirou profundamente e, como que por simpatia,

o fogo lento suspirou de volta. 

E de imediato os olhos de Okonkwo iluminaram-se 

e ele vislumbrou claramente toda a questão.

O fogo vivo gera cinza fria e impotente.”

– in “Quando tudo se desmorona

 Chinua Achebe.

  Há dias, numa manhã húmida e quente, em que as chuvas ameaçavam boicotar todos os meus planos de trabalho, recebi uma mensagem electrónica de uma pessoa amiga. Era um email simples e breve, que convidava à leitura imediata, e que ademais tinha a particularidade de estar redigido em alemão, o que geralmente me dá um prazer especial.

Por via desse email, descobri um blog, cujo invulgar nome (Demokratischer Salon) ganhou logo a minha atenção e curiosidade. Preso em casa devido à chuva, pus-me a apreciar o conteúdo, recheado de temas, de crónicas e reportagens de múltipla origem e tendência política, abordando questões de muita actualidade e de uma forma que me pareceu isenta dos habituais clichés. Sendo o blog editado por um alemão e focado essencialmente em assuntos alemães e ocidentais, foi uma surpresa agradável constatar que havia uma secção dedicada a África.

A um dado momento fui dar a um artigo que despertou todo o meu interesse. O seu título, Unbequem und schmerzhaft (incómodo e doloroso), de tão próximo de questões que me têm (pre)ocupado nos últimos tempos, obrigou-me a uma leitura atenta e demorada.

Apesar de ter entendido, logo após a leitura dos primeiros parágrafos, que o assunto pouco ou nada tinha a ver com a realidade do meu país, analisei o texto, todavia, com o mesmo interesse até ao fim. E confesso que com isso ganhei o meu dia, que a chuva ininterrupta ameaçara tornar infrutífero.

A frase com que o autor fechou o artigo continha, numa linguagem bastante clara (e de certa forma pedagógica), uma mensagem que parecia dirigida aos novos guardiães da tabanca, particularmente àqueles que do alto dos seus poderes açambarcados (alguns) e usurpados (os restantes), pretendem, sem pejo nem pudor, persistir em dar ao mundo provas incontestáveis da extensão da sua pequenez.

A referida mensagem era de Willy Brandt, chanceler da então Alemanha Ocidental, hoje Ocidente da Alemanha, e dizia, num momento crítico da História do seu país, mas como que querendo botar dito a alguém bem conhecido entre nós, simplesmente isto: “Nichts kommt von selbst. Und nur wenig ist von Dauer...“, ou seja, “Nada vem por si só. E poucas coisas são duradouras.”

Como gostaria que no putrificado e decadente sistema judicial guineense tentassem apreender esta mensagem; que no mesmo se reformatassem certas mentes, mormente as daqueles que tendo esquecido o juramento que fizeram de julgar na base da Lei e da sua consciência, têm andado a fazer diskarna riba di diskarna, manchando a própria dignidade e a da classe, aniquilando esperanças e ambições legítimas a justiça, paz e tranquilidade.

Como seria útil e elegante se os restantes pretensos Kakubas, os tais que ainda não entenderam em que direcção se projectam os labirintos do ex-futuro que, bem antes de Willy Brandt, por cá já se sabia que tudu kusa ki tene kumsada i ta tene si fin.

É que, tal como insistentemente dizia Cabral: “Quem não entendeu isso, não entendeu nada ainda”.

 

 

Comentários

vanicleia disse…
“Nada vem por si só. E poucas coisas são duradouras.”

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