Tera di kriason

 

Há que lembrar, a uns e a outros, que se há um facto que marca a nossa História é a recusa determinante e permanente do estatuto de ‘tera di kriason’.


 We refuse to be
What you wanted us to be
We are what we are
That's the way it's going to be, if you don't know

Bob Marley, in “Babylon System”

                 Há quem acredite que toda a produção literária engendra um momento de catarse e que, para uma certa classe de poetas, quando esse exercício ocorre ao ritmo e cadência do eco do clamor do seu povo, aquilo a que alguns chamam de inspiração não é senão aspiração.

 Não sei o que exactamente terá motivado Bob Marley a escrever o poema que tão bem foi musicado por “The Wailers”, mas de uma coisa estou certo: a mensagem (devo antes dizer exigência?) está em consonância com aquilo que ontem como hoje continua a ser aspiração – suprema e inquestionável – de todos os africanos, dos que vivem no continente-mãe e dos da diáspora.

 Pode soar a declaração de frustração ou confissão de fracasso insistir em fazer o ‘outro’ entender que somos quem somos e não aquilo/aqueles que esse ‘outro’ quer que sejamos. É que há mais de meio século que os ventos da História fazem ecoar essa mensagem, marcando de uma forma mais ou menos sedutora, mais ou menos violenta, a afirmação de uma nova era, de dignidade e de progresso, isenta de toda a forma de dominação estrangeira, livre dos fantasmas e  traumas do passado colonial e esclavagista.

 No actual contexto africano, perante as novas investidas do sistema neocolonialista mundial e a acção de certos decisores – deste e do outro lado -  que continuam ainda com as mentes por descolonizar, há motivos de sobra para se crer que declarar que “We refuse to be what you wanted us to be” é acima de tudo uma manifestação solene de determinação, de irreverência e de dignidade.

 No caso concreto da Guiné-Bissau contemporânea, perante as acções propositadas e cada vez mais nocivas da ‘cinquième colonne’, obrando sob o beneplácito de patrões baseados justamente em países que ontem nos negaram a condição de sujeitos da nossa História, e agindo a mando de conhecidos kakubas, cada vez mais intrometidos, que em nome de uma suposta política de boa vizinhança pretendem submeter-nos à condição de vassalos, há que lembrar, a uns e a outros, que se há um facto que marca a nossa História é a recusa determinante do estatuto de ‘tera di kriason'.

 

Comentários

Unknown disse…
Bem dito! Que os que pretendem nos avassalar e os seus serviçais se lembrem do que aconteceu há 23 anos!
José Filipe Fonseca
Anildo disse…
✊🏾

"Get up, stand up
Stand up for your right"

Bob Marley

Mensagens populares deste blogue

O povo por testemunha

O meu 25 de Abril

Estudar e divulgar a obra de A.Cabral: uma missão actual