Os novos desafios da intelligentsia guineense

 

Recebi ontem, dia 4 de Junho, um ‘Diploma de Honra ao Mérito’, atribuído pela Universidade Colinas de Boé (UCB). Com o título “Fidju di Guiné Bali Pena”, diz-se que o diploma foi concedido ‘em reconhecimento do contributo decisivo dado para o desenvolvimento da literatura guineense, sua afirmação e esplendor no mundo”.

Com a devida vénia e profundo agradecimento aos mentores da iniciativa e a todos quantos marcaram presença no acto, gostaria de aproveitar esta ocasião para exprimir a minha opinião pessoal sobre o assunto.

Antes de mais, acho conveniente realçar que, na minha perspectiva, o que está em causa não é a homenagem a um cidadão, mas algo muito mais profundo e relevante. Estamos perante uma mudança de paradigma. E o facto de essa mudança estar a ser protagonizada por uma instituição académica, faz com que o acontecimento adquira outra dimensão e uma significância mais abrangente.

É que, na minha humilde opinião, esta iniciativa da Reitoria da UCB, com o cunho pessoal do meu mandjua Huco Monteiro, um eminente intelectual guineense, é a expressão de uma realidade que começa a ganhar contornos: a competência, o saber, o conhecimento começam finalmente a ser valorizados no país.     

Depois de décadas de diskarna a todos os níveis e do império da incompetência e do obscurantismo, que tanta desgraça têm causado ao país e ao seu povo, eis que uma instituição académica faz soar o alarme. É isso que a meu ver convém reter como elemento de maior significância desse evento.

Numa altura em que a maior riqueza de qualquer país é o conhecimento, é chegado o momento de nós todos, mas particularmente a elite intelectual guineense, enxergarmos a realidade com determinação, imunes às tentações de obter um ‘kuru’ a todo o preço e das humilhações impostas pela procura incessante do ‘djanta ku sia’.

O caminho certo a seguir não nos é desconhecido; a meta a atingir tão-pouco. Mas porque na nossa Pátria Amada tudo, mesmo o que se apresenta a priori como consensual e óbvio, acaba sempre por adquirir o carácter de ‘nhambi yassadu’, torna-se imperativo abraçar o espírito que norteou a iniciativa da UCB de modo a tornar o processo inadiável e irreversível. No interesse e para o bem de todos.

A nossa geração (minha, do Huco e de muitos outros, alguns deles abnegadamente labutando no anonimato, no país e na diáspora) é uma geração privilegiada. Somos aqueles que orgulhosamente testemunharam o fim da longa e trágica noite colonial, protagonizaram os ‘momentos primeiros de construção’ e entoaram, com convicção e desde as colinas de Boé, a promessa feita a Amílcar Cabral e seus companheiros de construir uma “Pátria Imortal, de Paz e Progresso”.

Curiosamente, é de uma Universidade que leva o nome de Colinas de Boé (que coincidência feliz!) que ecoa esse clamor, lembrando a todos que, apesar dos kasabis que enquanto nação temos vivido nas últimas décadas, “Fidju di Guiné bali pena”, que ‘temos os olhos na mesma luz’ e que existe uma nobre promessa a cumprir.    

E desse comprometimento resulta, naturalmente, o desafio de fomentar a consolidação de uma intelligentsia guineense lúcida, proactiva, ciente do seu papel histórico de porta-estandarte dos anseios e das legítimas aspirações deste heróico e martirizado povo guineense.

Os meus agradecimentos e felicitações à Universidade Colinas de Boé pelo papel de vanguarda que em boa hora assume neste processo.

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