Da importância do conto tradicional à pertinência da criação de um Prémio Literário Nacional

 

 O conto tradicional é uma compo­nente de suma importância do nosso património cultural imaterial. Trata-se de uma riqueza criada e aprimorada ao longo de séculos, ocupando um lugar de destaque entre os eventos culturais comunitários, com uma vertente lúdica e pedagógica de máxima relevância, nesta e noutras zonas de África. Neles estão cristalizados saberes, crenças e valores que moldam a sociedade e que de uma forma bastante simples e pragmática definem os conceitos de justo e injusto, de certo e errado, de bom e mau, assim como o valor que a sociedade unanimemente atribui a cada um deles.

Actualmente – e à semelhança do que tem vindo a suceder com outras componentes desse património – o conto tradicional tem vindo a sofrer uma erosão deveras preocupante, perdendo cada dia mais espaço e atractividade em favor de outras práticas, produtos e ofertas que pouco ou nada têm a ver com a nossa tradição.

Com a facili­dade de acesso a equipamentos de entretenimento e conteúdos audiovisuais (teleno­velas, futebol, vídeo clipes de música, etc.) verifica-se que há cada vez menos espaço para os contadores de estórias e ainda menos cidadãos com interes­se em ouvi-las. As sessões de djumbai, mesmo nas tabancas, tendem a escassear, sendo paulatinamente substituídas por outras em que o papel do djidiu é exercido por personagens distantes e indiferentes, submetendo o ouvinte/espectador, impiedosamente, a sessões de lavagem cerebral, inculcando nas suas mentes padrões de comportamento e de estética, bem como atitudes que em última análise constituem uma verdadeira afronta à nossa idiossincrasia.

Com o desvanecimento do conto tradicional não é só o espaço de recreio que desaparece, nem tão-pouco as oportunidades de confraternização que se perdem; é, sim, a magia do conto que desaparece, é a criatividade dos mais jovens que se atrofia, é o adolescente que perde referências fudamentais da sua cultura.

É que, numa sociedade caracterizada pela oralidade como a nossa, o conto tradicional pode e deve continuar a desempe­nhar o seu papel, a diferentes níveis. Assim, a nível individual, ultra­passando a sua dimensão lúdica, o conto tradicional é um veículo por excelência de edu­cação cívica e de transmissão de valores morais e sociais, contribuindo desde a tenra infância na formação da personali­dade do cidadão. A nível colectivo, o conto tradicional actua como vector privilegiado de (re)construção permanente do nosso imaginário colectivo, do reforço do sentimento de pertença comum. 

Desse modo, preservar e valorizar o conto tradicional é acima de tudo um imperativo inadiável na perspectiva da consolidação da identidade nacional guineense e da coesão social, atributos tão falidos no actual contexto sociopolítico da nossa Guiné.

Ao escolher o conto tradicional como foco do seu primeiro concurso literário, PEN Guiné-Bissau não só reconhece a importância desse (sub)género literário, mas também atribui-lhe o seu lugar de honra enquanto expressão magna da nossa oralitura.  Dá-se o primeiro passo de uma série de iniciativas que se pretende venham a culminar na criação de um Prémio Literário Nacional.

Como é do conhecimento público, neste momento a Guiné-Bissau não dispõe de nenhum concurso literário, sendo que o único que houve no passado, o Prémio José Carlos Schwarz, foi extinto há anos atrás por motivos previsíveis e sobejamente conhecidos.

No entanto, tendo em conta o valor que eventos desse género podem ter na promoção da nossa Cultura, e em particular da nossa Literatura, urge fazer algo para colmatar esse vazio. É nesse contexto e com esse propósito que PEN Guiné-Bissau pretende, juntamente com a Associação de Escritores, as autoridades nacionais e demais agentes culturais, trabalhar para a criação de um novo Prémio Literário Nacional, digno do nome. Um Prémio que sirva para estimular o surgimento e a afirmação de novos talentos em todos os géneros literários. Um Prémio que também seja catalisador do multifacetado processo de criação literária, promotor do gosto pelo livro e do hábito de leitura.

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