Uma questão de panorama?
Tive a honra de, pela segunda vez consecutiva, ser convidado
pela Reitoria da Universidade Amílcar Cabral para colaborar na Semana Académica
organizada sob o lema “Pensar para
melhor agir”. O objectivo declarado é “promover uma reflexão sobre temas
pertinentes que enfrenta o ensino superior da Guiné-Bissau” (sic).
Num momento em que o país dá sinais preocupantes – hoje mais
do que nunca – sobre a banalização do conhecimento e caminha vertiginosamente
para o colapso do sistema educativo, incluindo a nível do ensino superior,
achei a oportunidade propícia para falar de um capítulo de um dos meus próximos
livros, nomeadamente sobre “O novo panorama das TIC na era da fibra óptica”.
Sendo o nosso país o único da África Ocidental que até
hoje não está directamente conectado a nenhum dos cinco (5!) cabos submarinos de fibra
óptica que passam ao largo da nossa costa, não possuindo consequentemente
acesso internacional directo à internet por essa via, a superação desse
inexplicável e inaceitável handicap cria
naturalmente muita expectativa e pelos mais variados motivos.
Assim, a iminente amarração ao cabo submarino da ACE -
há muito anunciada, mas por concretizar na prática – apresenta-se como uma
viragem de página do ponto de vista tecnológico, inaugurando uma nova era das comunicações
e de tudo quanto em torno delas gira. Uma era de muitas oportunidades, certo,
mas também de ameaças e desafios.
Um desses desafios (eu diria até o maior de todos eles)
é a criação e consolidação de capacidades nessa área, que é unanimemente reconhecida
em todo o mundo como estratégica, porquanto catalisadora de todos os processos de desenvolvimento económico,
cientifico, social, cultural, educacional, etc. São capacidades endógenas que habilitem o
país a retirar o devido proveito das oportunidades que se abrem, alavanquem a sua inserção
na economia do século XXI, atribuindo-lhe alguma viabilidade na era da economia
baseada no conhecimento. Trata-se de um exercício em várias vertentes, que
requer, a priori, criar o ambiente e
as condições objectivas susceptíveis de promover um maior acesso e melhor acessibilidade
ao serviço. Isso passa obviamente por um investimento adequado na educação/formação.
O que tenho constatado nos últimos tempos relativamente
à educação, a todos os níveis, mas sobretudo no ensino superior, deixa-me com motivos mais que suficientes
para ficar preocupado, muito preocupado. Com efeito,
- Quando estudantes de informática (em fase avançada do
curso) declaram sem pudor nunca terem ouvido falar de UNIX;
- Quando universidades e institutos que outorgam diplomas
de nível superior não dispõem de corpo docente compatível com o estipulado na famigerada ‘Lei
do ensino superior’;
- Quando não existe preocupação palpável com a adequação
do curriculum à realidade do país nem tão-pouco às necessidades específicas do mercado
de trabalho;
- Quando não há os recursos nem as infra-estruturas internas minimamente exigíveis
para satisfazer os requisitos mais elementares do processo de desenvolvimento
do raciocínio lógico e da intuição, fundamentos da ciência da computação e de
todos os outros saberes associados às tecnologias da informação e da comunicação;
-Quando a motivação central dos decisores e de alguns
promotores é centrada essencialmente na viabilidade financeira da instituição;
-Quando a atitude, tanto dos órgãos de tutela como dos de
regulação, se fundamenta na teoria da avestruz,
Não admira que os índices de inovação tecnológica e de
governação electrónica do país sejam (continuam a ser, ano após ano) dos piores do continente!
É também nisso que é preciso “pensar para melhor agir”, tanto mais que a acompanhar a entrada na
era da fibra óptica há uma factura de mais 35 milhões de dólares americanos (que
já deve estar a render juros) que é preciso começar a liquidar.
Neste início de um novo ano (e mal-grado as densas nuvens escuras
que pairam no céu) é minha esperança que deste animado exercício de reflexão
tido com os estudantes da UAC – potenciais decisores do destino do país – surja
algum incentivo adicional para, na altura certa, suficientemente “agir para melhor pensar”.
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